segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

ATTRACTHA - Sem medo de encarar novos desafios (Entrevista)


Por Marcos “Big DaddyGarcia


Um dos nomes mais fortes dos últimos cinco anos em termos de Metal tradicional do Brasil é, sem sombra de dúvidas, o do quarteto paulista ATTRACTHA. Com apenas um EP e um álbum, se percebe que a banda evolui constantemente, mas em uma taxa muito grande.

Aproveitando o momento em que a banda se encontra colhendo frutos do álbum No Fear to Face Whats Buried Inside You (lançado em 2016), fomos bater um papinho com eles e saber um pouco da história da banda, bem como de seus planos futuros.


BD: Primeiramente, gostaria de agradecer pela entrevista. Vamos começar com uma pergunta simples: como foi que o ATTRACTHA surgiu? E de onde vem o nome?

Humberto Zambrin: Marcos, É um prazer!! O Metal Samsara sempre nos deu espaço e atenção! Agradecemos muito a você por isso!! A banda começou mesmo em 2012, quando conseguimos juntar pessoas com os mesmos ideais e objetivos musicais. Eu e o Ricardo Oliveira já tínhamos planos e músicas feitas há algum tempo, desde 2007, quando nos conhecemos, mas só formamos a banda em 2012 mesmo. O nome é uma derivação do nome Attracta, uma das possíveis grafias para o nome de uma Santa irlandesa, contemporânea de Saint Patrick. O nome é uma homenagem aos seres mais importantes que habitam esse planeta: as mulheres!


BD: vocês já tinham lançado um EP em 2013, “Engraved”. Olhando em perspectiva, o que mudou, evoluiu e melhorou entre ele e “No Fear to Face What’s Buried Inside You”?

HZ: Tudo mudou! (risos)… bom, dá pra começar explicando que a formação da banda que gravou o “Engraved não é a mesma que gravou o “No Fear…”. No novo trabalho temos a presença do Cleber Krichinak nos vocais e do Guilherme Momesso no baixo. Já dava pra sentir o que seria o álbum quando lançamos o single “Unmasked Files” em 2015. Nossas influências se expandiram nesse período, começamos a usar outras opções de afinação, enfim, tivemos tempo de amadurecer o conteúdo, como banda, como proposta sonora, saca? Obviamente, as coisas básicas como entrosamento da banda e a natural evolução musical ajudam muito, também.

Cleber Krichinak
BD: falando especificamente do álbum: qual a ideia está por trás do título? Óbvio que ele não foi aleatório, logo, deve ter algo nele. E qual o conteúdo das letras?

HZ: Ah, o título é auto-explicativo! (risos)… o conceito lírico do álbum transita pelos cantos mais inexplorados da mente humana. Algo como aquilo que não gostamos de expor, porém não só coisas negativas… tudo! É isso que exploro nas letras de cada música, os pontos mais íntimos dos conceitos e opiniões sobre temas diversos… é como se fosse uma boa viagem a uma mente aberta. Coloco ali pontos de vista que muitos escondem ou negam sobre vários assuntos, como doenças, religião, política, personalidade, caráter, etc… tem um pouco de tudo ali.


BD: O produtor escolhido para trabalhar com vocês foi Edu Falaschi. Como foi trabalhar com ele? Até que ponto ele influenciou as músicas de “No Fear to Face What’s Buried Inside You”? E por que não chamaram o sujeito para uma participação especial (risos)? Aliás, um elogio: a sonoridade do disco é de primeira!

HZ: Trabalhar com o Edu é a coisa mais suave do mundo! Obviamente que o trabalho de produtor e banda não é um comercial de margarina o tempo todo, mas ele é um cara nota 10, super coração bom e extremamente competente. Profissional de primeira! Quando sentamos para a pré-produção do álbum, tínhamos metade das músicas compostas e, obviamente, ali no meio, muita coisa que a gente queria melhorar. Ele mexeu bastante na primeira música, como se fosse uma aula de produção e depois foi nos orientando a trabalhar nas outras, permitindo que as músicas ficassem com a nossa cara, e não a dele. Ele aconselhava, clientela, e em alguns momentos até compôs umas coisas, mas sempre deixando a banda a frente de tudo. Dá pra ter uma boa idéia assistindo nosso mini-documentário em 13 episódios, “Facing What’s Buried Inside You” que está no nosso canal do YouTube! Nós convidamos ele pra participar sim, mas ele não aceitou! Na verdade, é um lance muito profissional dele, não participar dos álbuns que produz… Ali ele é produtor, não músico… Ele faz isso com todas as bandas (risos). E quanto ao som, ficamos felizes em saber que você gostou!!! Deu trabalho!! (risos)


Ricardo Oliveira
BD: Algumas bandas, como o ATTRACTHA, têm feito as mixagens e masterizações no exterior. No caso de vocês, por que fizeram isso, e como se deu a escolha de quem iria trabalhar nelas?

HZ: Bom, a indicação veio do próprio Edu. Num dia de trabalho das prés, ele me mostrou duas músicas do “E.V.O.” do Almah, já mixadas, que ainda não tinham sido lançadas e eu pirei. Dai eu disse q eu amava a sonoridade do “Unfold” do Almah também, e ele me disse que era o mesmo cara que tinha feito, o Damien Rainaud. Daí, já abri o canal de comunicação com ele e fechamos a mix e a master para o “No Fear…”. Os motivos de termos escolhido ele são simples: primeiro a sonoridade. Ele havia feito o álbum que eu tinha o som como inspiração, então já me parecia o caminho mais curto, e outro ponto é que, para os profissionais dos EUA e da Europa, os equipamentos tem custo muito mais acessível do que aqui no Brasil, então esses caras tem acesso a tudo do bom, melhor e moderno a um preço muito mais competitivo do que temos aqui no Brasil. Importante ressaltar que a qualidade dos profissionais daqui e de lá é equivalente, não acho que estamos “pra-trás” em conhecimento, mas em recursos, certamente. Então fomos nessa direção.


BD: Outro ponto interessante foi o formato da capa, um digipack que abre em vários. Existe uma motivação para terem escolhido fazer a capa dessa forma? E como que escolheram a arte do CD? Ah, sim: já que existe certo no ar pelos discos de vinil, existe alguma proposta para o lançamento de “No Fear to Face What’s Buried Inside You” nesse formato?

HZ: Ah, a motivação foi muito simples: como fazer uma pessoa entre 16 e 30 anos de idade comprar um CD na segunda década do século XXI? Simples: fazendo essa pessoa comprar “mais do que um CD”, um item de merchandising! A ideia foi essa, oferecer um “algo mais” para o fã e um atrativo para o não-fã ou para o desconhecedor. CD’s em caixinhas de acrílico não oferecem nada ao fã, na minha visão. Nesse ponto, procurei formatos diferentes, inspirado na experiência que tínhamos de comprar e manipular vinis lá nos anos 70 e 80… dai cheguei nesse formato. O problema é que nenhuma empresa no Brasil tinha os moldes para se fazer um produto assim, então tive que desenvolver exatamente tudo! desde o projeto e as dimensões do digipack, até o protótipo para mandar pra fábrica! Tem um vídeo oculto no nosso canal do YouTube com um protótipo miniatura desse digipack e eu explicando pros caras como fazer e como dobrar! Um dia vamos liberar isso! Já a arte, nasceu da inspiração no conceito e nas letras… ela é muito mais complexa do que se percebe, cheia de mensagens subliminares e de enigmas que podem ser desvendados pela galera! Basta sentar lá com a arte e ficar fuçando! O vinil desse álbum é um sonho!! Sendo sincero, tenho já a versão da arte e etc que podem ser usadas num vinil, mas quando fiz a cotação disso, desisti. Ainda é extremamente caro.


Guilherme Momesso
BD: O lançamento de “No Fear to Face What’s Buried Inside You” se deu no Manifesto Bar, na cidade de vocês. E pelo que soubemos, a recepção foi ótima. Qual a impressão de você sobre o show e público, justamente em um momento em que vemos casas fechando as portas por ausência de público? E falem um pouco do show recente, em que abriram para o Edu Falaschi.

HZ: Olha, esse lance de casas, público e shows é muito complicado mesmo. Dá uma tese de Doutorado (risos). No caso do lançamento do álbum, nós trabalhamos muito na divulgação do show, previamente, principalmente nas redes sociais. Isso é complicado e dá muito trabalho, porque cada vez que você faz um evento, tem que mudar a estratégia de divulgação, de como abordar o público e etc, então tivemos que fazer um bom trabalho de corpo a corpo, gerar expectativa e tudo mais. E deu certo! Foi um sucesso, do nosso ponto de vista. Já o caso da abertura em SP da Rebirth of Shadows tour foi um presente! O Edu me ligou e convidou a gente, porque achava que seria uma excelente oportunidade para nos expor. No fim, acho que todos nós ficamos surpresos! O show foi sold out, o que dá 1700 pessoas lá no Carioca Clube. Devemos ter tocado para cerca de 1200 a 1300 pessoas…estava lotado! Foi nosso auge. Seremos eternamente gratos por essa oportunidade!


BD: Em 2016, “No Fear to Face What’s Buried Inside You” recebeu várias indicações como um dos melhores discos nacionais. Como vocês enxergam isso, como a sensação de dever cumprido ou como uma motivação para fazer melhor no futuro?

HZ: Eu acredito que sejam ambos… Como eu já disse, esse álbum nos deu muito trabalho e cada detalhe foi feito com o maior carinho e dedicação. Nos superamos em diversos momentos. Receber as indicações e os prêmios cai pra nós como a recompensa maior do nosso esforço. Fico me perguntando quantas bandas tiveram seu primeiro álbum indicado e premiado como melhor álbum do ano? Mas passado o primeiro minuto de glória (risos) fica mesmo é a motivação! Se chegamos aqui com o primeiro álbum, temos que nos inspirar nisso tudo e certamente nos prepararmos ainda mais para o próximo! Se vamos conseguir? Vamos fazer nosso melhor, sempre!


Humberto Zambrin
BD: Hoje em dia, as mídias sociais são uma ferramenta e tanto para a divulgação de trabalhos, mas ao mesmo tempo, parece existir certo desdém do público para bandas mais jovens. Qual a visão de vocês sobre isso? E como quebrar essa resistência?

HZ: Uau… Outra tese de Doutorado! (risos). Resumidamente, acho que temos 2 situações que devem ser analisadas. A primeira é o poder da voz de qualquer indivíduo. A internet e as redes sociais são o maior exemplo da democratização dos julgamentos e é isso que a gente vê. Qualquer um pode falar o que for e tem o mesmo peso que um expert. Nesse sentido, não há só o desdém com bandas novas, mas com as “veteranas" também. O próprio Iron Maiden, uma das maiores bandas de todos os tempos, é constantemente julgado e desdenhado nas redes por muitas pessoas. Ainda lotam estádios porque, assim como outros gigantes, construíram suas carreiras numa época onde havia uma curadoria, haviam gravadoras e executivos que decidiam quem aparecia e quem não… Já parou pra imaginar quantas bandas excelentes acabaram e ninguém conheceu, porque a EMI estava investindo TUDO, no Iron? A quebra da resistência, ou como eu gosto de dizer, a exposição para a aceitação, no presente e no futuro virão exatamente da mesma forma que veio nos anos 70 e 80: Investimento! As bandas e artistas que se sobressairão, nesse cenário, serão aquelas que tiverem maior capacidade de captação de recursos e de transformação disso em base de fãs. Seja investindo em redes e mídias sociais, seja investindo em shows… No meu ponto de vista, até um artista excepcionalmente talentoso, mesmo nos dias de hoje, precisará sim de investimentos para se sobressair. Óbvio que hoje isso não é só dinheiro, pode ser patrocínio, pode ser exposição conjunta, mas no final, é captação de fãs.


BD: Essa é para ti, Humberto. Você tem uma série de vídeos com dicas para bateristas, certo? Como anda a receptividade e o feedback deles? E como tem sido a coluna no Música Fácil? E o blog que criou sobre o music business e outros para bateristas iniciantes? E verdade seja dita: são iniciativas que merecem aplausos em um mundo em que tantos escondem o jogo…

HZ: Ah, obrigado! Pilotar uma carreira “solo” como baterista, no Metal, no Brasil, é quase uma missão Hercúlea… mas eu sigo tentando ajudar as pessoas como posso. O Música Fácil abriu as portas pra mim, me cedendo a coluna onde procuro abordar um pouco de tudo, de técnicos até cotidiano. Por conta disso, nasceu a ideia do blog, que está mais ligado a dividir experiências, tentar trazer os jovens para um patamar mais próximo de quem já viveu diversas experiências profissionais dentro e fora da música. Esse blog vai migrar para meu canal do YouTube. Infelizmente o interesse pela leitura é menor que o pelo vídeo… mas de qualquer forma, tenho alguns tópicos que ainda vou abordar no blog, porque, no final do dia, adoro escrever!


BD: E como andam as coisas no ATTRACTHA ultimamente? Quais os planos da banda em termos de música, discos, shows para 2018?

HZ: Queremos ter uma agenda cheia em 2018, mas é difícil! Estamos negociando participação nos melhores e maiores festivais de Metal do país, mas é difícil. O Metal movimenta muito pouco dinheiro e o custo logístico de um show num nível bom, é extremamente alto. Estamos fazendo nosso melhor. Em 2017 fizemos SP, MG e RJ. Agora em 2018 já temos confirmado SC e estamos negociando outras oportunidades… devagar vamos indo. Quero muito colocar a pré-produção de um novo álbum ainda em 2018, mas tudo depende de agendas… vamos ver! Planos existem!!


BD: Bem, é isso. Mais uma vez agradeço pela paciência, e pedimos que deixem sua mensagem aos fãs.

HZ: Nós que agradecemos, e muito, o seu espaço e atenção! Aos fãs de Metal em geral que acompanham o Metal Samsara, nosso muito obrigado pelo prestígio, pela força e pelos elogios! Fazer Metal no Brasil não é nada além de paixão, sejamos banda, assessorias, sites, blogs ou qualquer outro meio. Portanto, prestigiem o trabalho de todos que procuram levar novas músicas até vocês!! Um forte abraço a todos e nos vemos pela estrada!!


Contatos:

https://www.youtube.com/HZambrin 

ORPHANED LAND - Unsung Prophets & Dead Meassiahs


Ano: 2018
Tipo: Full Length
Importado


Tracklist:

1. The Cave
2. We Do Not Resist
3. In Propaganda
4. All Knowing Eye
5. Yedidi
6. Chains Fall to Gravity
7. Like Orpheus
8. Poets of Prophetic Messianism
9. Left Behind
10. My Brother’s Keeper
11. Take My Hand
12. Only the Dead Have Seen the End of the War
13. The Manifest - Epilogue


Banda:


Kobi Farhi - Vocais
Chen Balbus - Guitarras, saz
Idan Amsalem - Guitarras, bouzouki
Uri Zelcha - Baixo
Matan Shmuely - Bateria, percussão


Ficha Técnica:

Jens Bogren - Mixagem, masterização
Metastazis - Artwork
Shlomit Levi - Vocais femininos
Steve Hackett - Guitarras em “Chains Fall to Gravity”
Hansi Kürsch - Vocais em “Like Orpheus”
Tomas Lindberg - Masterização, vocais em “Only the Dead Have Seen the End of War”


Contatos:

Bandcamp:

E-mail:

Texto: Marcos “Big Daddy” Garcia


Platão

Antes de qualquer coisa, é necessário que o leitor tenha paciência. Esta não é uma resenha comum, e é preciso uma longa introdução.

Em termos de ciência e história, não se pode negar o quanto o filósofo grego Platão (428/427 A.C. - 348/347 A.C.) é importante para a formação e canonização de todo o conhecimento que temos nos dias de hoje. E um de seus maiores legados ao homem é a Alegoria da Caverna, e pode ser encontrada em “A República”. Nessa antiga experiência mental, Platão demonstra que uma pessoa criada nas trevas da ignorância e induzida constantemente ao medo (dentro da caverna), se um dia confronta aquilo que o atemoriza (uma nova realidade e a chegada do conhecimento), sai ignorância e chega ao conhecimento (fora da caverna), mas sofre conflitos e dúvidas durante o processo (os olhos doem pela luz). E se este tenta voltar e ajudar os companheiros de cativeiro na ignorância (aqueles que nasceram e foram criados nas trevas da caverna juntamente com o que fora libertado), estes tenderão a não reconhecer o triste estado em que se encontram e culparão o conhecimento (luz) por aqueles efeitos nocivos que veem no liberto (agora ele mal pode enxergar nas trevas), e assim, lutarão para permanecer na ignorância e matarão aqueles que tentam livrá-los das ilusões em que vivem.

Sócrates
Muitos atribuem a Alegoria da Caverna à experiência de Platão ter testemunhado o próprio mestre, Sócrates (outro que muito contribuiu para tudo que temos em termos de ciências nos dias de hoje), o grande filósofo grego que trouxe o conhecimento a tantos, que livrou tantos da escuridão da caverna, teve contra si os ignorantes.

Sócrates foi acusado 3 crimes:

1. Não acreditar nos costumes e nos deuses gregos (acusação que visa manter status quo religioso e o conservadorismo tradicionalista);

2. Unir-se a deuses malignos que gostam de destruir as cidades (mais uma permeada por conteúdo religioso e poder político temporal);

3. Corromper jovens com suas ideias (nesta, é clara a manutenção do status quo da ignorância, pois  é nos jovens esclarecidos que residem a esperança de um mundo melhor no futuro).

Os acusadores: Ânito (que faz parte da classe dos políticos, por ser rico e representar os interesses dos comerciantes e industriais, além de ser poderoso e influente em Atenas), Meleto (poeta trágico desconhecido, foi o acusador oficial, embora nada exigisse que ele, como acusador oficial, fosse o mais respeitável, hábil ou temível, mas somente aquele que assinava a acusação, representava a classe dos poetas e adivinhos) e Lícon (retórico obscuro e o seu nome teve pouca importância e autoridade no decorrer da condenação de Sócrates, e representava a classe dos oradores e professores de retórica). Por trás de cada um, interesses pessoais escusos na condenação de Sócrates. Dado o veredicto de culpado (exílio ou morte), o sábio mestre, por sua vez, preferiu a morte a ser exilado com a língua cortada (o que seria feito para que ele não mais seduzir as pessoas com suas ideais), bebendo cicuta diante de seus discípulos e amigos.

Dr. Martin Luther King
Alguns poucos queriam sua morte por interesses pessoais, o povo alienado segue estes pedidos como se fossem ordens e clamam por sangue, e o sábio mestre, portador da luz do conhecimento, morre. Uma Luz se apaga..

Se pararem para pensar, já não vimos esse mesmo tipo de coisa ocorrendo na história da humanidade desde que os primeiros relatos passaram a ser escritos?
  
Um exemplo: para aqueles que leram alguma vez na vida os livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, contidos na Bíblia, quantas e quantas não foram os momentos o povo de Israel, em sua jornada do Egito (de onde haviam sido libertos) até a Terra Prometida, não reclamou se levantou contra seu líder, Moisés, querendo voltar à servidão de onde haviam saído? Ou seja, quantas vezes quiseram retornar para as trevas da ignorância servil? A liberdade plena e o conhecimento demandam esforços, exigem que saiamos das nossas zonas de conforto todos os dias.

Nesse sentido, se pode compreender os motivos que levaram homens como Mahatma Ghandi, Dr. Martin Luther King, o Jesus histórico, Muhammad Anwar el-Sadat, John F. Kennedy, Yitzhak Rabin, e mesmo Antônio Conselheiro e tantos outros, à morte: somos incapazes de sair das trevas da ignorância e abraçar o conhecimento, e dessa forma, criarmos um mundo melhor e pacífico. Podemos dizer que eles são Profetas não ovacionados pelo povo e Messias mortos pela nossa omissão.

Ainda mais profundamente, reparem em quanto ódio é visto nas notícias internacionais, nacionais e mesmo nas redes sociais, na resistência belicosa contra o conhecimento. Preferimos nos alienar na escuridão da ignorância na caverna à encarar a Luz do conhecimento que ilumina e aquece o mundo real.

Mahatma Gandhi
Outros excelentes exemplos em termos de Brasil são os pedidos  de muitos por uma novas intervenção militar após o fracasso dos últimos governos democratas, a ausência de batucadas em panelas contra os desmandos do atual governo federal, e mesmo o ódio contra a comunidade LGBTQ+, contra os afrodescendentes, mulheres feministas e outros... Culpamos uns aos outros de crimes e nos odiamos mutuamente, muitas vezes sem motivos e sem que compreendamos as raízes desse mal. Odiamos quem tenta nos conscientizar que existem possibilidades melhores.

E detalhe: NÓS NÃO RESISTIMOS AO ÓDIO, não fazemos oposição real à ignorância, apenas nos omitimos ou assimilamos os sentimentos, travestindo-o como algo nobre... E não nos opondo, nos tornamos cúmplices de tanto sangue derramado... Preferimos e falar (bem ou mal) de celebridades insossas do mundo moderno pelas redes sociais a entender quem foram Sócrates ou Platão e o que eles nos legaram; sabemos mais de reality shows e seus participantes do que sobre ciências e tristes fatos que ocorrem nesse momento pelo mundo e demandam nossa atenção!

Ainda estamos presos à caverna e às trevas!

A Alegoria da Caverna, no fundo, tem por ideia demonstrar “o efeito da educação e a falta da mesma em nossa natureza”, o quanto ela é uma ferramenta preciosa. Mas observando pelo lado discorrido até agora, percebe-se que Platão não só se mostrou um filósofo excepcional, mas sua figura ganha contornos de um profeta, e pararmos para refletir que a Alegoria da Caverna foi escrita há mais de 2500 anos, mas mostra a atualidade do mundo, é uma profecia para nos prevenir do mal!

E esta longa introdução é para que o leitor compreenda um pouco do que é o conceito que permeia “Unsung Prophets & Dead Messiahs”, sexto e mais recente disco do quinteto Israelita ORPHANED LAND.

Muhammad
Anwar el-Sadat
Para os fãs de longa data, fica a pergunta: como a banda está soando agora, após a saída do guitarrista Yossi Sassi, um dos membros fundadores, em 2014?

Sendo o mais direto possível: muito pouca coisa mudou musicalmente.

A banda continua fazendo o estilo que eles criaram nos anos 90, o Oriental Metal, que nada mais é que a fusão do Metal com influências de Death Metal, Doom Metal e mesmo outros gêneros do Metal com melodias e a estética de vários ritmos regionais do Oriente Médio. O que é notável é que a banda retomou algumas influências de “Mabool” e “The Never Ending Way of ORwarriOR”, como o uso de vocais mais agressivos e algumas melodias mais secas, mas mantendo as orquestrações grandiosas, vocais femininos, corais operísticos e estética elegante de “All is One”. Mas ao mesmo tempo, existem arranjos musicais mais dinâmicos e alguns momentos melancólicos e/ou soturnos, justamente para criar uma ambientação densa e perfeita para o trabalho lírico do disco.

Construir uma sonoridade para “Unsung Prophets & Dead Messiahs” não foi um trabalho simples, como se repara em repetidas audições. Existem múltiplas camadas que necessitaram ser encaixadas perfeitamente, e muitos instrumentos diferentes a serem colocados lado a lado, sem se sobreporem. A produção é do próprio quinteto, tendo o gênio Jens Bogren na mixagem e Tomas Lindgren na masterização. Seja nos momentos mais pesados e intensos, nos mais agressivos ou nos mais introspectivos e suaves, tudo ficou perfeito, equilibrando limpeza e agressividade, peso e melodias. Tudo foi levado em consideração, meditado e então feito.

Itzhak Rabin
Outro ponto a ser ressaltado é a arte gráfica. Usando tons mais claros que o costumeiro no gênero, a ambientação visual cria uma atmosfera perfeita para as canções, sendo que a capa deixa claro todo o contexto lírico do quinteto. Fica clara a referência que a caverna é mantida por poderes temporais, envolvendo todo o mundo. Mas que a sabedoria e o conhecimento são o punho da resistência, da libertação.

Musicalmente mais denso e introspectivo que “All is One” (que tinha uma ambientação mais acessível), “Unsung Prophets & Dead Messiahs” é complexo, mas não é tão difícil de ser assimilado em poucas audições. O ORPHANED LAND continua sendo ousado e criativo dentro do estilo que criou para si, sabendo fazer belos contrastes musicais. Curiosamente, existem vários “point blanks” no disco (aqueles os famosos bips da censura que surgem em músicas e programas de TV quando alguém fala um palavrão), em várias canções, que são propositais e ali estão em uma forma de autocensura da banda, para criar uma ideia de quem nem tudo pode ser dito, pois poderia destruir a caverna de muitos. Além disso, a mensagem da banda se tornou universal, pois ela fala a todos nós com clareza enorme.

Falar sobre cada canção de “Unsung Prophets & Dead Messiahs” se faz necessário. A obra como um todo merece isso, pois cada uma delas é uma joia preciosa.

O disco abre com a longa e trabalhada “The Cave”, onde existem contrastes de momentos mais amenos e melancólicos com outros mais agressivos (mostrando um ótimo trabalho dos vocais, guitarras muito boas e corais bem encaixados), e se percebem várias citações, entre eles, uma de Platão, que é “Podemos facilmente perdoar uma criança que está com medo da escuridão; a real tragédia da vida é quando os homens estão com medo da luz”, já que a letra lida com a Alegoria da Caverna em si.

Segue-se com os vocais extremados e clima harmonioso de “We Do Not Resist” (os timbres vocais variam bastante, de um gutural inteligível para limpas vozes envolventes), e fica evidente o teor lírico (onde é claro que preferimos dar atenção a fofocas e celebridades descartáveis todos os dias que saber da verdade triste de muitos, como as 70000 crianças que são sequestradas todos os anos na Índia).

Profeta Jeremias
A beleza orquestral que envolve as melodias orientais de “In Propaganda” (que belos arranjos de guitarras) toma nossos ouvidos e nos embala, enquanto mostra uma das correntes modernas que nos prende à caverna e suas ilusões: a propaganda midiática, que nos afasta da luz e nos acorrenta.

Em “All Knowing Eye”, tem-se uma música mais amena e melancólica com muitas partes acústicas (embora surja um crescendo de metade dela até o final, todo com instrumentos elétricos), além de belíssimos vocais femininos contrastando com a voz limpa de Kobi (e que belos solos de guitarra). A música é uma lamentação (bem semelhante ao linguajar triste e melancólico usado pelo profeta Yirmeyahu, ou Jeremias, em seus oráculos) pelos profetas e messias que foram mortos por tentaram nos ajudar. 

Totalmente feita em ritmos regionais é “Yedidi”, que apesar de ser mais simples, mostra um trabalho refinado de baixo e bateria, sendo que esta é uma adaptação de uma composição por Judah Halevi (1075 -1141), poeta espanhol de origem hebraica (celebrado como um dos grandes poetas hebreus tanto por seus poemas religiosos e/ou seculares) e que foi morto pouco depois de chegar à Terra Santa, ao antigo Reino Latino de Jerusalém (culturalmente, se diz que ele foi atropelado por um cavaleiro árabe enquanto pronunciava uma sionida às portas da cidade).

A bela e melodiosa “Chains Fall to Gravity” vem em seguida com certo toque de melancolia e mesmo alguns toques de Rock Progressivo e orquestrações sinfônicas para adornar as melodias orientais, e de quebra, a participação de Steve Hackett, guitarrista do GENESIS, nos solos (retribuindo a participação de Kobi em seu último disco solo, “The Night Siren”). Nela, se percebe o processo de quem sai da caverna e é iluminado, e em como essa pessoa se torna um novo Profeta/Messias para a humanidade, e certos trechos parecem identificados com a linguagem profética de Yešayahu (o profeta Isaías).

Profeta Isaías
Primeiro Single de promoção, “Like Orpheus” é uma das canções mais acessíveis e belas do álbum, com linhas melódicas mais simples de serem entendidas, além de um trabalho de primeira de Chen e Idan nos riffs (além da presença especial de Hansi Kürsch, do BLIND GUARDIAN, dando um toque de beleza extra e classe à canção com sua voz). Orpheus (ou Orfeu) é um personagem mitológico cuja música era capaz de encantar monstros e aliviar os tormentos dos que habitavam no mundo dos mortos, onde ele foi para tentar recuperar sua amada esposa, Eurídice. Deixo ao leitor a tarefa de ler sobre este mito.

A bela e curta “Poets of Prophetic Messianism” se segue com muitas harmonias orientais, belos vocais femininos, e cuja letra é uma adaptação de trechos de “A República”, com a icônica citação “Anyone who holds a true opinion without understanding is like a blind man on the right road”, e em uma tradução livre, seria algo como “não seria quem mantém uma opinião verdadeira sem o conhecimento como um cego na estrada correta? A tarefa do Profeta Messiânico é desfazer a cegueira da ignorância, logo, quantos Profetas/Messias já não foram mortos por isso?

Misturando peso, sólidas melodias, corais e partes orquestradas, vem “Left Behind”, uma canção onda Uria e Matan estão criando uma base rítmica bem sólida e com boa técnica. A letra versa sobre os que permanecem na caverna, mas que desejam se libertar de sua condição de ignorância, da condição de medo e tormentos. O deslumbre do testemunho do Profeta/Messias os faz ansiar por uma nova vida.

Janusz Korczak
Tons orientais progressivos se fundem a passagens harmônicas densas e com declamação quase sussurrada das letras em “My Brother’s Keeper”. A letra fala do sentimento do profeta que o leva a voltar e tentar ajudar os outros. E “Não existo para ser amado ou admirado, mas para amar e agir. Não é tarefa dos que estão à minha volta me amar. Pelo contrário, é minha tarefa ser preocupado com o mundo, como o homem”, citação de Janusz Korczak (22/07/ 1878 ou 1879 - 05 ou 06/08/1942), famoso médico e pedagogo Polonês de origem hebraica, precursor das ideias de direitos das crianças e do reconhecimento da igualdade plena das crianças que conhecemos nas Escolas Democráticas dos dias de hoje. Foi assassinado juntamente com seus educandos no campo de concentração de Treblinka. Poderia ter se salvado fugindo, condição que lhe fora dada no mínimo duas vezes, mas não quis abandonar as crianças e funcionários de seu orfanato.

Mostrando melodias orientais mixadas a partes orquestrais e com belas guitarras, vem a longa e sinuosa “Take My Hand”, uma das canções mais empolgantes. Aqui, é narrada pregação do Profeta/Messias que visa arrancar as pessoas da escuridão, onde ele clama para que segurem sua mão e ele possa guia-los para um mundo de luz (conhecimento).

George Santayana
Com uma pegada que mixa melodias orientais, partes orquestrais e uma boa dose de brutalidade, vem “Only the Dead Have Seen the End of the War”, com boas mudanças de ritmo e vocais guturais bem agressivos (a participação especial de Tomas Lindberg (do AT THE GATES), mostrando toda a vocação mais extrema da canção. A frase que inspira o título, “apenas os mortos viram o fim da guerra”, é erroneamente atribuída a Platão, sendo do filósofo e poeta espanhol George Santayana (16/12/1863 - 26/09/1952), quer por não ser casado ou ter sido visto em relacionamentos heterossexuais, e por sua amizade com bissexuais e homossexuais assumidos, levantou suspeitas de muito sobre sua sexualidade (vejam que tal fato se dá no final da década de 40 do século passado, e era um enorme tabu). Aqui, a reação da turba contra o Profeta/Messias, acreditando que as tribulações causadas pela busca da liberdade foram causadas por eles, que anseiam pela ignorância. Eles o acusam e enfim, o assassinam, para que ele não mais possa mais “enganá-los”. Percebe-se que em certos pontos, a linguagem que foi usada nas letras remete ao mesmo tipo de linguagem que pode ser encontrado no livro de Salmos.

Víctor Jara
E fechando essa obra de arte em formato musical, “The Manifest - Epilogue”, uma canção densa e que possui citações do Torá (“você não é obrigado a completar o trabalho, mas também não está livre para desistir dele”) e “canções de bravura serão sempre canções novas, sempre”, que é de Víctor Jara (28/09/1932 - 16/09/1973), um professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, e músico que causou uma revolução cultural em seu país natal. Ele foi preso, torturado (suas mãos haviam sido esmagadas por coronhas de armas) e executado depois do golpe militar do Chile (sim, o golpe dado por Pinochet), sendo seu corpo jogado em uma rua de uma favela em Santiago,a Estrada Sul, na parte posterior de um cemitério, junto com outros três cadáveres. Possui 44 ferimentos de balas e vários ossos quebrados. Seu crime: a conscientização das camadas mais pobres da sociedade chilena, pois Víctor era um ativista político de esquerda. Aqui, se percebe que a luta dos Profetas e Messias não deve parar por nada, e que mesmo que demore milênios, as trevas cessarão um dia. Nossas esperanças de um mundo melhor não podem morrer conosco, mas devem seguir adiante, como herança para as futuras gerações.

Se os leitores não perceberam, cada uma das figuras históricas citadas na resenha são Profetas muitas vezes anônimos e Messias mortos pela sede de poder, riqueza e outros que desejam que os homens permaneçam na cegueira escura da caverna. Ou mesmo dos próprios ignorantes que desejavam permanecer em sua zona de conforto, pois toda mudança em direção ao conhecimento demanda esforços e sacrifícios.

Jesus histórico
Como a ida do Egito até a Terra Prometida, atravessando um deserto por longos anos...

Como a mudança de comportamento para com as crianças, entendendo que elas são seres humanos...

Como a oposição a um tirano sangrento, pois o medo escraviza...

Como a aceitar as pessoas como boas, independente de etnia, sexualidade ou outros, pois todos somos humanos...

Como se opor aos interesses da indústria armamentista, e fazer cessar os rios de sangue que inundam o mundo...

Como buscar a compreensão entre inimigos históricos, que muitas vezes nem sabem mais os motivos de sua luta...

Como promover a Luz do conhecimento que dissipa a escuridão da ignorância...

A mensagem de “Unsung Prophets & Dead Messiahs” é clara, e apesar do teor denso e melancólico, é um chamado para todos. A esperança ainda brilha... Os Profetas e Messias iluminados pelo conhecimento ainda nascem entre nós. Basta ouvi-los em seus sermões, e a ignorância e escravidão imposta por mídia, políticos, religiões e outros irão cessar. Abrace sua liberdade, pois ela é sua.

No mais, o ORPHANED LAND lança mais um disco que é forte candidato a se tornar um clássico do Metal no futuro, e já é um dos grandes discos do ano. Talvez seja um dos grandes discos dos últimos 20 ou 30 anos.

“Aquele que desejar mudar o mundo deve começar mudando o sistema de educação” (Janusz Korczak).

“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os observa sem fazer nada” (Albert Einstein).

Nota: 100+%